Os Dançarinos

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Semântica

...
- Só sei que nós nos amamos muito...
- Por que você está usando o verbo no presente? Você ainda me ama?
- Não, eu falei no passado!
- Curioso né? É a mesma conjugação.
- Que língua doida! Quer dizer que NÓS estamos condenados a amar para sempre?
- E não é o que acontece? Digo, nosso amor nunca acaba, o que acaba são as relações...
- Pensar assim me assusta.
- Porquê? Você acha isso ruim?
- É que nessas coisas de amor eu sempre dôo demais...
- Você usou o verbo 'doer' ou 'doar'?
- [Pausa] Pois é, também dá no mesmo...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Ilusionista

Ei! Você... Acorde!

Agora se ajeite na cadeira. Fique à vontade. Estique seu corpo... ou se contraia... O importante é que você encontre uma posição confortável. Imagine-se num lugar bem tranquilo. Acolhedor. Meia-luz. Silêncio. A temperatura agradável. Vamos! Você consegue!

Pronto! Não se assuste com esse pequeno barulho ao seu lado. Sou eu me ajeitando. Sim, também estou aqui. Eu vim porque preciso que você me escute. Eu vim para me confessar. Preparada?

Não pense que não reparei neste enorme peso que você carrega sobre seus ombros. Como se fosse um imenso saco de desejos conflitantes. Um piano de dúvidas. Ele sempre esteve aí. E o meu primeiro pecado foi não tirar esse peso de você. Eu sabia que com isso abriria uma brecha para que ladrões e aventureiros o fizessem. Sabia também que você, aliviada, permitiria. Sim, eu sabia. Não me queira mal por ter deixado isso acontecer. Se agi assim foi porque acreditei que ele estava aí pro seu bem. Que só carregando esse peso você ficaria forte. Foi porque acredito que não importa quantos pesos outras pessoas tirem de você, sempre surgirão novos fardos ainda maiores. Que só quando tiver força para suportá-los, perceberá que é a única pessoa que pode lidar com eles. Esse dia chegará, e então talvez me perdoe. Mesmo que tardiamente.

Esse perdão não significa muito. Essa negligência não foi meu único pecado.

O meu segundo pecado também foi a negligência. Mas dessa vez comigo mesmo. De tanto querer o bem do outro deixei de querer meu próprio bem. Nem percebi que, agindo assim, eu não conseguia mais ser como você queria que eu fosse. Parece complicado, contraditório.... De tanto querer ajudar, tornei-me incapaz de fazê-lo. Deve ser por isso que, durante as instruções de segurança dos vôos, as aeromoças avisam que se a pessoa ao seu lado precisar de ajuda para colocar a máscara de oxigênio, primeiro você deve colocar a sua para só depois ajudá-la. Ora! Quem já passou por esta situação numa real emergência para saber como reagiria? Enfim, espero que um dia você tenha a felicidade de ser mãe e perceba que seu próprio bem estar não importará tanto, porque agora existe alguém que precisa mais de você do que você mesma. Nesse dia você entenderá... Talvez.

Eu podia ficar aqui desfilando meus pecados. A autocomiseração, a presunção, a teimosia... Sim, eles são muitos e não quero lhe entediar. Vou parar porque percebi que não busco remissão. Porque sei que tenho um pecado maior para o qual não existe perdão.

Eu sempre acreditei que a minha vida era um sonho, e já não consigo acordar. Aliás, acordar seria a minha morte. Agora estou preso aqui. Eternamente. Condenado a sonhar e condenando outros a viverem meu sonho. Por isso o ‘acorde’ do início. Dissonante. Menor com sétima maior. Acorde você que para mim já não há saída. Meu maior pecado sempre foi a ilusão.

É. Eu ainda acredito no amor.
Sinceramente,
G.F