Os Dançarinos

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Monstros


Existe um monstro dentro em mim. Sim, existe um em cada de nós. O meu habita uma prisão suja e escura, de cujas paredes brota um musgo viscoso. Uma prisão solitária onde volta e meia o visito. Ele chora ao me avistar. Eu, apiedado, o alimento com o que há de melhor entre meus medos e sustos.

Sei que aos confinados urge o desejo de liberdade. E de mim, me escapou várias vezes o monstro. Mas aprendi suas artimanhas. E atirei para longe, num lugar que não lembro onde, a chave de sua prisão. Agora não há mais saída.

Confesso que me compadece vê-lo jazendo naquele local insalubre. Ele diz que sou um carcereiro cruel. Argumenta que até os condenados mais bárbaros têm direito a luz do sol. Mas não lhe dou ouvidos. São muito espertos estes monstros. Não me acho cruel, apenas temo o que não controlo.

Talvez ele nem imagine, mas sempre me lembrarei de uma passagem em especial, da última vez que ele me escapou. Enquanto eu gritava que ele nunca mais fugiria, que ele nunca mais faria mal a ninguém, arrastadando-o à força prisão adentro, ele me pedia para não tratá-lo daquela forma. Foi quando eu disse "Cala-te monstro". Naquele momento seu olhos aterrorizantes se tornaram dulcíssimos, e ele grunhiu: "Não me chame assim, eu tenho nome". Ignorei e repeti "Cala-te monstro", mas ele se aproximou e sussurou no meu ouvido: "Não me chame assim, eu me chamo Inocência".

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Pra Cada Momento

Ando afastado daqui. Aliás, ando afastado de muita coisa.

Nada sério, mas ultimamente as notas musicais tem me requisitado muito mais do que as palavras. E tenho retribuído de bom grado.

Recebi vários emails questionando minha ausência. Agradeço a todos pelo carinho. Sim, sinto falta daqui, sinto falta de escrever e, principalmente, sinto falta de ler os que me lêem. Graças a essa ferramenta conheci muitos blogs legais de pessoas realmente talentosas na dança das palavras.

Daqui a pouco os dedos vão coçar de novo e voltarei a escrever pro Blog, sem pressão. Sem angústia. Enquanto esse dia não chega, quero compartilhar minha nova criação digital, trata-se de um podcast musical. Pra cada momento, uma trilha sonora.
Visite, comente, divulgue e divirta-se
G.F

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Semântica

...
- Só sei que nós nos amamos muito...
- Por que você está usando o verbo no presente? Você ainda me ama?
- Não, eu falei no passado!
- Curioso né? É a mesma conjugação.
- Que língua doida! Quer dizer que NÓS estamos condenados a amar para sempre?
- E não é o que acontece? Digo, nosso amor nunca acaba, o que acaba são as relações...
- Pensar assim me assusta.
- Porquê? Você acha isso ruim?
- É que nessas coisas de amor eu sempre dôo demais...
- Você usou o verbo 'doer' ou 'doar'?
- [Pausa] Pois é, também dá no mesmo...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Ilusionista

Ei! Você... Acorde!

Agora se ajeite na cadeira. Fique à vontade. Estique seu corpo... ou se contraia... O importante é que você encontre uma posição confortável. Imagine-se num lugar bem tranquilo. Acolhedor. Meia-luz. Silêncio. A temperatura agradável. Vamos! Você consegue!

Pronto! Não se assuste com esse pequeno barulho ao seu lado. Sou eu me ajeitando. Sim, também estou aqui. Eu vim porque preciso que você me escute. Eu vim para me confessar. Preparada?

Não pense que não reparei neste enorme peso que você carrega sobre seus ombros. Como se fosse um imenso saco de desejos conflitantes. Um piano de dúvidas. Ele sempre esteve aí. E o meu primeiro pecado foi não tirar esse peso de você. Eu sabia que com isso abriria uma brecha para que ladrões e aventureiros o fizessem. Sabia também que você, aliviada, permitiria. Sim, eu sabia. Não me queira mal por ter deixado isso acontecer. Se agi assim foi porque acreditei que ele estava aí pro seu bem. Que só carregando esse peso você ficaria forte. Foi porque acredito que não importa quantos pesos outras pessoas tirem de você, sempre surgirão novos fardos ainda maiores. Que só quando tiver força para suportá-los, perceberá que é a única pessoa que pode lidar com eles. Esse dia chegará, e então talvez me perdoe. Mesmo que tardiamente.

Esse perdão não significa muito. Essa negligência não foi meu único pecado.

O meu segundo pecado também foi a negligência. Mas dessa vez comigo mesmo. De tanto querer o bem do outro deixei de querer meu próprio bem. Nem percebi que, agindo assim, eu não conseguia mais ser como você queria que eu fosse. Parece complicado, contraditório.... De tanto querer ajudar, tornei-me incapaz de fazê-lo. Deve ser por isso que, durante as instruções de segurança dos vôos, as aeromoças avisam que se a pessoa ao seu lado precisar de ajuda para colocar a máscara de oxigênio, primeiro você deve colocar a sua para só depois ajudá-la. Ora! Quem já passou por esta situação numa real emergência para saber como reagiria? Enfim, espero que um dia você tenha a felicidade de ser mãe e perceba que seu próprio bem estar não importará tanto, porque agora existe alguém que precisa mais de você do que você mesma. Nesse dia você entenderá... Talvez.

Eu podia ficar aqui desfilando meus pecados. A autocomiseração, a presunção, a teimosia... Sim, eles são muitos e não quero lhe entediar. Vou parar porque percebi que não busco remissão. Porque sei que tenho um pecado maior para o qual não existe perdão.

Eu sempre acreditei que a minha vida era um sonho, e já não consigo acordar. Aliás, acordar seria a minha morte. Agora estou preso aqui. Eternamente. Condenado a sonhar e condenando outros a viverem meu sonho. Por isso o ‘acorde’ do início. Dissonante. Menor com sétima maior. Acorde você que para mim já não há saída. Meu maior pecado sempre foi a ilusão.

É. Eu ainda acredito no amor.
Sinceramente,
G.F


sábado, 30 de janeiro de 2010

Muito Pouco pra Entender



tenho muito pouco pra esconder
e acabo sem ter quase nada meu
nem é bem assim que acontece
só não achei alguém que seja como eu
pra me ouvir falando dos meus erros
e ainda assim querer me dar a mão
que entenda esses descaminhos
e esse medo do meu coração

tenho muito ainda que aprender
mas quanto mais aprendo menos sei
já estou cansado de acertar
onde foi que eu errei
e me ver lançado ao espaço
de ficar por lá girando assim
conhecendo cada lágrima
que vai caindo fugindo de mim

tenho muito ainda por fazer
mas nada do que eu faça muda minha direção
nessa estrada que eu peguei
em qualquer sentido estou na contramão
e o destino sempre é incerto
se eu me vejo perto de chegar ao fim
de repente volto ao começo
e dou de cara com tudo que passou por mim

tenho muitas coisas pra esquecer
só não esqueço aquelas que causaram dor
eu daria tudo pra afogá-las
nesse mar de perdas que se chama amor
e se eu sempre volto ao passado
é que o futuro nunca vai chegar
é que eu quero viver no presente
mas o presente acabou de passar

falta muito pouco pra entender
que nem tudo tem uma explicação
enquanto isso eu procuro alguém
que não me faça procurar em vão
será que essa pessoa existe?
bem que podia ser você
algum dia talvez eu descubra
falta muito pouco pra me entender...

às vezes a vida esconde as respostas
como você se esconde dos meu olhos agora
às vezes eu procuro respostas
como você procura outros olhos agora.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Homem-Chuva


eu sou a soma de tudo que eu vejo
multiplicado por tudo que eu penso
dividido por tudo que eu sinto...
eu não tenho solução

pela estrada afora a cem por hora
a música no rádio me conta uma história
de um rapaz que perdeu o medo
de querer ser feliz

o medo tanto arrasa quanto semeia
algo me deixa aceso pela madrugada
eu fico agitado quando é lua cheia
talvez ela queira ser a minha namorada

isso que eu chamo de saudade
na verdade é a falta que me faz o pedaço
que alguém arrancou de mim
pra não sentir saudade

já faz tempo que eu sonho
em voltar a acreditar em sonhos
já nem lembro se eu já tive fé
na humanidade

o homem tanto arrasa quanto semeia
loucura é tentar explicar a vida
eu fico agitado quando é lua cheia
quem sabe você seja a minha escolhida

eu sei que eu sou a melhor mulher
de todas as mulheres que eu já tive
e toda vez que vocês vão embora
eu sei que vou sangrar

eu sei que o mundo não é cor-de-rosa
eu sei que a prosa anda esquisita
e sei que quando tudo fica cinza
deve ser porque vai chover

a chuva tanto arrasa quanto semeia
o curso da natureza não tem critério
eu fico agitado quando é lua cheia
o imponderável habita nesse mistério

e o homem-chuva descansa nessa aldeia
e o homem-chuva passeia na lua cheia...